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O 'Futuro' que ficou no passado

  • Foto do escritor: Na Rede
    Na Rede
  • 2 de dez. de 2018
  • 10 min de leitura

Atualizado: 9 de dez. de 2018

Por: Ítana Santos


Araçatuba, cidade do interior de São Paulo, a exatamente 521 Km da capital paulista, é conhecida nacionalmente como a capital do “Boi Gordo”. A cidade ganhou o título entre a década de 50 e 60 devido a intensa atividade pecuária na região. Também é conhecida por algumas comidas típicas, como o cupim casqueirado ou o caldo do artista e já foi casa de uma grande equipe esportiva. Um dos momentos de auge da fama esportiva araçatubense foi atingido com um time de vôlei, o Vôlei Futuro, que contava com uma equipe profissional adulta nas duas categorias – feminina e masculina – nas principais competições do país. Infelizmente, nem mesmo as estrelas do time, o amor da torcida pela equipe ou o recente bom desempenho que estava tendo nas competições conseguiram manter vivo o Vôlei Futuro.

A casa do Vôlei Futuro era o Ginásio Plácido Rocha com capacidade para 2500 pessoas. O clube, além dos atletas, contava com cinco fisioterapeutas, seis estatísticos, seis integrantes da comissão técnica, equipe médica, preparadores físicos, seguranças, motoristas, cinegrafistas e assessoria de imprensa com um total final de 70 integrantes. A estrutura dada para treinamento e permanência do atleta não tinha outra igual na época, talvez até os dias atuais. Eles tinham uma Uniprefe (Unidade de Performance e Reabilitação Física e Esportiva), que era um centro de treinamento com os equipamentos mais modernos do mercado da época, oferecendo fisioterapia ortopédica, drenagem linfática, massagem clássica, pilates, girotonic e condicionamento físico para os atletas. Além de todo esse investimento, o Vôlei Futuro também dava transporte, moradia e as refeições dos jogadores. Desta forma, para o atleta, sua única preocupação era o jogo.

E o investimento no jogador era pesado mesmo. Um exemplo disso é a atleta Maria Lourdes Ribeiro que jogava como central na equipe feminina, mas que atualmente não atua mais na área.

Malu, como era chamada nas quadras, é uma jovem mineira da cidade de Uberlândia. Na época que fechou contrato com o Futuro, em 2009, ela ainda tinha 20 anos. A menina foi revelada em uma peneira do Praia Clube de Uberlândia e já ganhou diversos títulos jogando pelas seleções de base do vôlei brasileiro, além do único que conseguiu garantir enquanto fazia parte do elenco araçatubense.

Malu em tratamento no SPA MED Foto: Divulgação

Vivendo uma fase complicada na vida pessoal e sofrendo com algumas lesões, Malu ficou um período afastada das quadras. “Pensei em desistir de tudo, me afastei de todos durante um mês e fiquei sem rumo. Após a cirurgia fiquei em uma cadeira de rodas sem poder colocar o pé no chão, com isso meu peso aumentou em mais de 20kg. Eu estava no fundo do poço. Pensei em desistir. Achava que não tinha o porquê me sacrificar. Nesta profissão você tem que lutar todos os dias, tem que ir até o seu limite para não ficar para trás”, comenta a atleta em entrevista ao Universo do Vôlei. Para tratar a lesão, a central contou com a assistência médica do próprio clube que também forneceu a ela um mês de spa para que pudesse voltar a sua melhor forma física rapidamente e se igualar a condição das companheiras de time. Malu retornou para os jogos, em uma competição regional, no dia 14 de julho, após seu período de tratamento no Spa Med Sorocaba Campus, também no interior de São Paulo.

Quanto ao investimento, o retorno financeiro para o clube era baixíssimo, uma vez que o time não arrecadava lucros nem com a venda de ingressos, pois, a entrada nos jogos era gratuita. O retorno monetário era alcançado através de cotas de tv e venda de alguns artigos do time em uma lojinha dentro do ginásio e da Uniprefe. O Vôlei Futuro tinha uma linha completa de produtos, tanto para bebês como adultos em ambos os sexos. Em entrevista para o blog oficial do jogador Leandro Vissotto, - uma das grandes estrelas da equipe masculina -, Marcela Constantino, diretora do clube, afirma que a loja não tem a função de arcar com as despesas do grupo.

“Não dá para pensar em conseguirmos todo o retorno do nosso investimento no clube com a venda de camisas e souvenirs. Nossas lojas comercializam os produtos do time mais como uma forma de aproximar o torcedor das equipes, dele se sentir integrante do projeto. Claro que também é uma forma de fortalecer nossa marca, mas certamente não cobre os gastos”.

Ela ainda ressalta o real motivo de investir na modalidade, já que não possui lucro significativo no ramo.

“Nosso objetivo é ajudar a sociedade araçatubense, dar uma opção de lazer e levar nossa marca para o Brasil, difundir nosso projeto, nossas atividades sociais, e crescer cada vez mais dentro das quadras. Queremos ter vitórias dentro e fora das quadras. Hoje até já ajudamos jovens que passaram pelo núcleo com moradia, jovens que estão em faculdades, mas não podem se sustentar. Faz parte da nossa filosofia, do nosso projeto, e estamos sempre encarando novos desafios”.


Equipe feminina


A equipe feminina do Vôlei Futuro, nominada oficialmente como Grêmio Recreativo e Esportivo Reunidas, chegou a ser um dos principais clubes de voleibol do estado. O time profissional foi fundado em 2006 e tinha como presidente a psicóloga Marcela Constantino Guimarães, neta do bilionário Nenê Constantino, fundador da Gol Linhas Aéreas.

Vôlei Futuro comemora terceiro lugar na Superliga 2010/11 Foto: Divulgação

Participaram de seis edições seguidas da Superliga A – a maior competição de vôlei nacional – ficando entre os três melhores times em suas duas últimas participações, na temporada 2010/11 e 2011/12. Nesse mesmo período também participou do Campeonato Paulista, ocupando segundo lugar no ano de 2010 e ganhando o título no ano seguinte, 2011. Outra competição que também participou em 2010 foi a Top Volley International, terminando em segunda posição.

Mesmo estando em uma boa fase, a melhor da trajetória da equipe feminina, em 2012 o time se extingue por falta de patrocínio. O desmanche do elenco que jogou a temporada 2011/12 é considerado como um dos fatores que diminuíram os investimentos na equipe, que mesmo sendo atual campeã paulista e inserida na elite do vôlei nacional teve que fechar as portas.

O Vôlei Futuro feminino já contou com grandes estrelas do esporte nacional e internacional. A última equipe tinha como técnico Paulo Cocô, atual técnico do Praia Clube e campeão com a mesma pela Superliga 2017/18. Em quadra, como jogadoras titulares, tínhamos a levantadora Ana Tieme, a ponteira Paula Pequeno, as centrais Walewska e Carol Gattaz, oposta Joycinha e a ponteira Fernanda Garay. A líbero do time era a estadunidense Stacy, que assim como muitas colegas da equipe, defendia a seleção do seu país.


Acidente


Em uma noite chuvosa, a caminho de um confronto contra o time de Osasco, no dia 12 de abril de 2011, a 500m do Ginásio José Liberatti, o ônibus que levava a equipe feminina para a partida sofre um acidente. A maior parte da equipe não teve grandes lesões, a não ser algumas superficiais e o susto pelo ocorrido. A única que acabou ficando internada foi a líbero estadunidense Stacy Sykora, considerada na época a melhor do mundo, que teve um corte na cabeça e acabou desmaiando no momento da fatalidade. A atleta acabou tendo um traumatismo craniano-encefálico e ficou internada durante uma semana na UTI. Infelizmente o acidente deixou sequelas. Stacy acabou ficando com problemas de visão e enfrentou grandes dificuldades em sua readaptação no esporte. Por esse fator, já em outro time, jogando pelo Urbino da Itália, ela anuncia sua aposentadoria antes mesmo do fim da temporada.

“Aproveitei o máximo minha carreira de atleta. Joguei em alto nível, defendi meu país nas principais competições e ganhei prêmios individuais. Sou uma vitoriosa no esporte. Quis o destino que não pudesse dar sequência dentro de quadra, mas sou uma pessoa muito feliz, afinal, estou viva e sou muito nova ainda. Tenho objetivos na vida”, comenta a estadunidense quando questionada pela Uol Esportes sobre o fatídico ocorrido em 2011.


Foto: Rodrigo Coca Fotoarena/Agência O Globo

O que causou o acidente foi a batida que o ônibus teve com uma mureta na pista. A caminho do ginásio, quando o motorista estava saindo da pista do viaduto Da. Inês Colino e entrando em um acesso à direita, para a Av. Fuad Auada, acabou colidindo com a mureta que separava as duas pistas. Com o impacto, o condutor perdeu o controle do veículo e tombou, batendo mais à frente em um poste


Equipe masculina


O time masculino não ficou para trás do feminino. Também era denominado de Grêmio Recreativo e Esportivo Reunidas, o time profissional foi fundado em 2006 e era um dos melhores times do estado. Seu presidente era João Batista de Morais. Participou também de seis edições seguidas da Superliga, ficando em terceiro colocado na temporada 2010/11 e perdendo a final para o SADA Cruzeiro na competição seguinte, temporada 2011/12. Outra marca que eles possuem em comum com a equipe feminina é o título paulista. Os meninos do Vôlei Futuro ficaram em primeiro lugar no Campeonato Paulista em 2010 e no ano seguinte caiu para terceiro. A única diferença entre as duas equipes é que fim dos projetos foram em anos diferentes. A extinção da equipe masculina foi em 2013, um ano depois do encerramento da feminina.

Araçatuba campeã paulista em 2010 Foto: Divulgação

O elenco titular, na última temporada de participação deles, contava com o levantador Ricardinho, os ponteiro Raphael e Gui Hage, os centrais Vini e Ialisson, oposto Najari e o líbero Polaco. O técnico do time era Cézar Douglas.


Ataque homofóbico


No sábado, 21 de abril, de virada, com um resultado final de 3 sets a 1, no ginásio de São Bernardo do Campo, o time mineiro de vôlei masculino, o Cruzeiro, pela primeira vez em sua história conquista o título da Superliga masculina de vôlei 2011/12 em confronto contra o Vôlei Futuro. A vitória para uma das equipes já era de se esperar, mas um dos fatos que ficou marcado nesse confronto não foi só o resultado.

No primeiro duelo das equipes o central Michael, da equipe araçatubense, foi vítima de homofobia durante a partida. Toda vez que o jogador tocava na bola a torcida xingava-o e os gritos de ‘bicha’ ecoavam pelo ginásio. Essa partida, de 4 de abril, foi considera por ele como uma vitória pessoal. Logo no dia seguinte, o jogador assumiu sua orientação sexual dando início a um debate muito importante: o preconceito no esporte. Ele acabou se tornando um símbolo do movimento gay dentro do esporte e contou com total apoio da torcida para continuar no vôlei.

Michael Santos, centra da equipe de Araçatuba Foto: Divulgação/CBV

E a torcida realmente comprou sua causa. No jogo de volta, que consagrou o time mineiro como campeão, a arquibancada do ginásio foi tomada pela cor rosa. Em resposta às provocações preconceituosas sofridas no primeiro jogo, foi distribuído aos torcedores bastonetes rosa com o nome do jogador Michael. Alguns dos jogadores também fizeram sua manifestação, como o oposto Leandro Vissotto que usou uma proteção rosa na mão esquerda e o líbero Mário Júnior que usou uma camisa com as cores do arco-íris. Até mesmo os gandulas do jogo passaram sua mensagem. Eles usaram camisas rosa com dizeres contra o preconceito sexual.

Líbero Mário Júnior Foto: Divulgação/CBV

“Às vezes eu não entendo direito, é muito legal. Você é um atleta e pessoa pública, influencia as pessoas e mostra sua história de vida. Depois de tudo o que aconteceu em Contagem, quem não me conhecia passou a conhecer. Tirando o lado triste do fato, as pessoas me abraçaram e o legal é que as pessoas passaram a conhecer mais o meu trabalho e a pessoa que eu sou”, por Michael ao Globo Esporte.


Fim das equipes adultas


“O Projeto Vôlei Futuro, vem por meio desta comunicar o fim da equipe feminina da categoria adulta, participante há seis anos da Superliga Nacional. Agora, o projeto continuará com suas atividades com a equipe masculina da categoria adulta e com os núcleos de prática esportiva, que atendem crianças e adolescentes na cidade de Araçatuba (SP), além de parcerias com projetos de inclusão social”.

Esse foi o comunicado emitido pela diretoria do time, que na época negava o fim do grupo feminino, logo após o encerramento da Superliga 2011/12. As meninas do Vôlei Futuro perderam a semifinal para o Rio de Janeiro, que hoje usa o nome fictício SESC-RJ. O time de Araçatuba deixou para trás grandes times, que estão no cenário do voleibol brasileiro até hoje, como, Praia Clube e Minas Tênis Clube, ambos de Minas Gerais, e o SESI-SP e o Osasco, de São Paulo.

No ano seguinte, também por meio de um comunicado oficial do clube, é a vez de anunciar o fechamento da equipe masculina.

“Comunicamos que, apesar de diversas tentativas, o Vôlei Futuro não conseguiu fechar patrocínio para manter as equipes adultas, o que impossibilitará a confirmação da nossa participação na temporada 2013/2014”.

O time de Ricardinho não conseguiu ter um bom desempenho na temporada 2012/13 como teve na passada, que disputou e perdeu a final para o SADA Cruzeiro. Com muitos jogadores inexperientes, o time ficou em nono lugar na competição, não conseguindo nem se classificar para as quartas de final.

Assim, após o baque com a eliminação masculina da Superliga, a falta de patrocínios para a equipe, que já tinha feito a um ano atrás com que o time feminino não participasse da competição, a diretora Marcela Constantino libera todos os contratos dos atletas deixando-os sobreaviso para no caso de aparecer patrocinadores para o Vôlei Futuro.


Torcida fiel


O time acabou, mas o amor do torcedor não ficou no passado. Pelo mundo virtual ainda é possível encontrar blogs e redes sociais dedicados ao extinto time, alguns ainda com os dizeres que ‘Vôlei Futuro não está morto’. A paixão é tamanha que chegaram a organizar excursão para poder rever os ídolos do ex-time de Araçatuba.

Cerca de 50 pessoas participaram de uma excursão para Maringá, cidade no interior do Paraná, com mais de 330 km de distância para ver as estrelas Ricardinho, Lorena e Vini jogarem. O confronto era entre o Copel Telecom Maringá Vôlei, time da casa, e o time masculino de Campinas - SP, hoje conhecido como Vôlei Renata, pela Superliga 2013/14. Do lado do grupo paranaense atuava os jogadores Ricardinho e Lorena, enquanto pelo grupo paulista atuava o Vini.

“Esse amor, essa adoração, nós vamos até Maringá levar, prestigiar com muita alegria para eles porque eles merecem. Fizeram muita alegria no povo de Araçatuba”, essas são as palavras da torcedora Vera Lucia Malagoli, em uma matéria para o Globo Esporte, que estava no grupo de torcedores rumo a Maringá.

A ideia da viagem surgiu com o radialista Marco Antônio Ferreira, que no início seria com um pequeno grupo, somente com uma van, porém, a ideia ganhou grandeza pelas ruas, reunindo torcedores a ponto de fechar um ônibus e ainda ficar alguns para fora. Mas o limite de vagas não foi um empecilho. Uma torcedora que acabou deixando sua decisão para participar da excursão para última hora, por isso acabou não conseguindo um lugar no ônibus, acabou decidindo acompanhar a galera de carro.

Os jogadores Lorena e Vini fizeram a recepção dos araçatubenses, que durante o período que recebiam os jogos da Superliga ficaram famosos por ser uma torcida muito animada. Quem não deu muita atenção para os visitantes foi o jogador Ricardinho, que com a derrota para o Campinas, por 3 sets a 0, saiu de quadra irritado sem dar entrevista e autógrafos para os fãs.

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