O projeto familiar campeão brasileiro.
- Na Rede
- 7 de dez. de 2018
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Atualizado: 9 de jan. de 2019
Por: Lucas Eduardo Figueira
No dia seis de dezembro de 2015, um domingo, a equipe de Dorotéia de Souza e Chicão Reguera erguiam a taça de campeão brasileiro de futebol feminino. O projeto, no entanto, se iniciou em 1996.
Na época as duas irmãs, Sharlene e Milene jogavam futebol de salão pela escola e Chicão (pai) foi um dia para vê-las. Ele então percebeu que as garotas tinham um grande potencial e para a surpresa da filha mais velha, Milene, seu pai começou um projeto. “Um dia o telefone tocou e uma menina perguntou se era ali que tinha o futebol feminino e se era a casa do Francisco. Eu falei que não e para ela ligar depois, por que queria falar com ele. Então ele disse que tinha inscrito as duas equipes da escola para disputarem um torneio na cidade”, contou a atual auxiliar do Rio Preto.

A menina, com apenas 13 anos a época, concordou e foi conversar com todas as jogadoras do time sobre o tal torneio. No sábado da mesma semana, a equipe se reuniu e foram treinar, em um campo de terra. Eis que chega o grande dia da competição. “Lá no torneio eram campos de terra também. Nem uniformes tínhamos, pedimos para um cara aqui no bairro. Ele nos emprestou um que era vermelho e branco, com o logo do Frango Sertanejo. Eu lembro que nós fomos a pé até o lugar, cantando e brincando, foi muito legal”, disse Milene.
O esforço deu resultado e o time do Chicão acabou ficando com o título naquele dia.
Milene também conta da situação da família naquela época. "Meu pai vendia laje e minha mãe era dono de casa. A Darlene (outra irmã) ainda era pequena, nesse dia ela chegou até a jogar um pouco, mas não muito. Foi ali que começou nossa história. Depois meus pais tiveram a ideia de procurar lugares que tivessem campeonatos femininos para jogarmos e dar sequência ao projeto”.
De ali em diante, Dorotéia começou a se envolver mais com o time, saiu na caça de alguma federação para as meninas jogarem e acabou encontrando. Era na cidade de Piratininga, onde ocorria o campeonato paulista do interior. Diante da oportunidade, o time e a família foram atrás de patrocínio para poderem pagar a viagem e alimentação. Eis que encontraram uma panificadora que os ajudou.
O campeonato foi disputado e a equipe do Juventude Futebol Clube (nome criado por Milene e uma amiga), com as cores branco, vermelho e azul, conquistaram seu primeiro título. Assim foram os primeiros passos do Juventude FC, que dali em diante começou a participar de mais campeonatos ainda, sempre angariando fundos através de venda de rifas e doações.
“No começo era uma brincadeira. Meus pais eram jovens e isso era o sonho do meu pai, que não conseguiu se transformar em jogador de futebol, por ter perdido seu pai muito cedo e também porque era o caçula, tendo que trabalhar desde cedo para ajudar a família. Como somos três meninas ele partiu para o futebol feminino”, diz Milene.
Atualmente, apenas a irmã mais nova, Darlene, joga futebol. Ela começou com 15 anos, pelo fato de ser a idade permitida para participar das competições. Contudo, já treinava com as meninas mais velhas. “Eu e Sharlene tivemos que parar cedo, começamos a trabalhar e estudar, a Darlene foi quem continuou a história da nossa equipe”, completou a mais velha.

Uma das peculiaridade da equipe é o pai poder treinar as filhas. Muitos imaginam que deve ser uma situação confortável, contudo, Milene diz que não é nada fácil relação pai e filha dentro das quatro linhas. “Era muita cobrança. A intimidade não é legal porque as vezes acaba excedendo na cobrança. Isso afetou um pouco minha relação com meu pai. Já a Darlene soube lidar melhor com isso. Teve alguns momentos de conflitos, muito grandes, mas ela conseguia se sair bem. Eu parei antes até por essa questão de respeito, pois tinha medo de me exaltar um pouco”, completou.
Como dito pela irmã, Darlene lidava melhor com isso. “Ser treinada pelo meu pai era muito bom. Fico muito feliz, pois tudo que tenho hoje é por conta dele, da minha mãe, das minhas duas irmãs. As vezes brigávamos um pouco, porque a cobrança era maior, mas é normal. Aprendi muito e continuo aprendendo. Se hoje estou em um lugar bom é por causa deles”, disse a caçula.
A equipe de Dorotéia e Chicão evoluiu muito nos últimos anos. Antes as jogadoras não ganhavam nada para atuarem pelo time, jogavam apenas pela vontade de querer disputar um campeonato, pelo fato do time não possuir um patrocínio. Apenas com a entrada da prefeitura no projeto é que foi possível uma ajuda de custo para as meninas poderem jogar, por conta do auxílio atleta, que ajuda as jogadoras a se manterem em Rio Preto. Nessa época a equipe ainda não disputava o campeonato brasileiro.
Contudo, precisavam se filiar a alguma equipe para a disputa da competição. Primeiramente, foi com o América, o time da família ficou alguns anos, mas não deu certo. Com a conquista da vaga para disputar o Campeonato Brasileiro em 2013, Dorotéia e Chicão se filiaram ao Rio Preto. Naturalmente os investimentos foram maiores nesse ano, contratando jogadoras de um “nível diferente”, como define Milene. Logo no primeiro ano da equipe no Brasileiro Feminino , a equipe foi eliminada nas semifinais e Darlene, foi a vice artilheira da competição, com 11 gols. No ano seguinte não foi possível participar da competição, por conta de um ranking.
Contudo, em 2015, a equipe de Dorotéia, após muita briga, voltou a disputar o Brasileirão Feminino. A equipe se classificou em segundo lugar do seu grupo na primeira e na segunda fase. Passou por Centro-Olímpico (SP) nas semifinais e disputou a final contra o São José. Com uma vitória por um a zero no primeiro jogo, em Rio Preto, a equipe foi para São José dos Campos precisando de um empate e mesmo assim ainda saiu na frente. O São José até empatou, porém , aquele era o ano de Dorotéia e Chicão, que já tinham conquistado o Campeonato Paulista e se garantiram como a melhor equipe de futebol feminina do Brasil.

“Sempre acreditamos no projeto. A gente tinha certeza que o time da minha mãe chegaria, usamos o nome do Rio Preto e os uniformes, mas o time é dela. Sempre lutamos e batalhamos para isso. Chegamos aonde estamos graças a eles (pai e mãe), a minhas irmãs e todo o trabalho construído a longo prazo”, disse Darlene em relação ao sucesso do clube.
A caçula da família também coloca o Rio Preto no mesmo patamar de times mais populares, como Santos e Corinthians, por exemplo: “Nós, com o projeto que temos e muito pouco, conseguimos chegar mais longe que eles que possuem um projeto muito maior. São referências, a gente vê que o futebol feminino está crescendo, é muito bom isso. A gente sempre imaginava e temos a certeza de que nosso projeto chegará mais longe ainda”.
Milene também admite que a estrutura de outros times são maiores que a do Rio Preto, porém , elenca os fatores que levam jogadoras a escolherem a equipe de sua mãe para atuar. “O segredo é mostrar pra elas que mesmo sem ter a mesma estrutura do Santos e do Corinthians temos muito potencial para chegar aonde chegamos recentemente. Logico que a estrutura é fundamental, mas no fim das contas o que manda mesmo é dentro de campo, onze contra onze. Deixávamos bem claro para as jogadoras que cada uma tinha que ter um objetivo de vida, um futuro, uma visão. Trabalhamos muito com elas em relação a isso, sonhos, conquista. Além de mostrar, dentro de uma equipe, de uma estrutura, um conjunto muito bom que tínhamos, quais eram as ferramentas que poderíamos fornecer a elas. Isso fez muita diferença”, disse.
Darlene também exalta a capacidade do time de sua família, que está sempre brigando pelos títulos. “Atualmente, o time da minha mãe é um dos melhores do Brasil, sempre chega em finais e na maioria das vezes conquista títulos. Creio que muitas pessoas querem jogar lá, pelo fato de ser diferenciado, ter garra, vontade. Além do fato de também ser uma vitrine, muitas meninas que já atuaram pelo nosso time estão se encaminhando para outras equipes de fora ou que pagam melhor. Claro que sempre algumas querem e outras não, mas eu sou um exemplo de como o time é uma vitrine, afinal, eu nasci e cresci no time da minha mãe, se tenho uma caminhada fora do país é por conta da visibilidade que tive”, disse a ex-jogadora do Rio Preto.
Um dos fatores que limitam os reforços são os salários, Milene contra que a parte mais delicada para contratar as jogadoras é a salarial. A atual auxiliar do clube conta que falta investimento pelo fato de poucos acreditarem no futebol feminino no Brasil. “Nossa modalidade é muito pouco divulgada, em todos os lugares. Se houvesse mais divulgação, consequentemente, existiriam muito mais investimentos. Nossa maior dificuldade é essa. Conseguimos manter por três anos uma base muito forte. Com esta base ganhamos alguns paulistas e assim conseguimos maior força, dentro do Brasil e mundialmente”, completou.
Como foi dito por Milene, a equipe dos seus pais tem se destacado nos últimos anos. A equipe conquistou o Campeonato Paulista em 2016, em cima do Santos, e ficou com a segunda colocação no Campeonato Brasileiro. No ano seguinte veio o bicampeonato paulista, novamente em cima do Santos, dessa vez, ganhando de três a um em plena Vila Belmiro. No Brasileirão, a equipe ficou com o terceiro lugar. Nessa ultima temporada a equipe voltou a ficar em segundo lugar, tanto no Brasileirão quanto no Paulistão.

Milene, atualmente, ocupa um cargo na diretora no clube. Contudo, ela chega a viajar com a equipe e sua mãe quando a viagem é longa, pelo fato de seu pai ter medo de avião. No entanto, a irmã mais velha não pretende seguir para a área de treinador. “Hoje eu já trabalho na coordenação do clube. Já ajudo a administrar algumas coisas e também ajudo na parte de alojamento, mas não tenho pretensão de ser técnica nem na parte física nem no campo. Prefiro trabalhar fora dele”, disse.
Darlene ainda atua no futebol, atualmente é convocada com frequência para a Seleção Brasileira e também se destaca jogando pelo Benfica de Portugal. Sua última passagem pelo time de sua mãe foi em 2017, depois disso a atleta foi para a Espanha, atuar pelo Zaragoza. A caçula conta como é ficar longe da família. “Tenho uma saudade de jogar com os meus pais, afinal, eles que fizeram eu ser o que sou hoje. Eles sempre me apoiaram e estão feliz aonde estou. A minha felicidade é a deles e a deles é a minha. Eu também sempre estou torcendo por eles de longe. Eu sinto saudade claro, por ser minha família e tenho certeza que nosso time vai continuar melhorando cada dia mais”.
Em relação a um retorno a equipe da sua mãe, a jogadora faz ponderações. “Eu não pretendo voltar para o Rio Preto, mas sim para o time dos meus pais. Enquanto minha mãe estiver tiver uma parceria com a equipe do Rio Preto eu não volto. Independentemente de estar ou não com o nome do Rio Preto. O que importa é que eles estão bem e felizes. Independentemente de qualquer coisa, se minha mãe estiver com o time dela, se estiver com uma parceria com outra cidade ou só com a própria prefeitura, eu não só voltaria como pretendo voltar e encerrar minha carreira no Brasil”.
Além de tudo, Darlene também se mostra muito leal com o time dos pais, ela afirma que pelo Brasil, só atua pelo time deles. “Não enfrentaria o time dos meus pais, já ouvi propostas para ficar no Brasil, jogar o campeonato brasileiro e consequentemente jogar com meus pais, mas não enfrentaria o time deles. Sou profissional, mas quanto a isso eu nunca vou conseguir. Já deixei claro para todas as equipes e estão cientes que nunca irão me contratar”. A jogadora até chegou a jogar em outros times no Brasil, mas apenas quando o time da família não estava competindo.
Já Milene demonstra fora de campo seu amor pelos times dos seus pais, sempre reforçando o que sente e o quão importante é para as meninas que atuam por ele. “A equipe é muito unidade, é forte, e o time sempre quer dar o melhor para as meninas, sempre pensando no futuro delas. Acho que é um projeto social muito forte, porque ajudamos a transformar vidas de alguma forma. Nós vemos a felicidade e alegria de buscar algo, nós mechemos com sonhos, vontades e desejos. Isso faz com que a gente se motive ainda mais para querer fazer o melhor pra elas. Nosso clube não visa lucratividade. Não somos uma empresa, visamos apenas dar o melhor para elas. Por isso o futebol feminino do Rio Preto é tão forte. Envolve emoção, família e união. Nos doamos da cabeça aos pés e brigamos e vamos continuar brigando para que o futebol feminino não se perca e sempre tenha cada vez mais histórias”, completou.
Enquanto cifras movimentam o futebol, se tornando muita das vezes um negócio, times como o de Dorotéia, Chicão, Milene, Sharlene e Darlene se tornam importantes, demonstrando todo o espirito que o esporte propõe.
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